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Shonen é romance, Shoujo é porrada! Ou: Público-alvo e gênero

Semanas atrás um post no Nahel Argama (Bleach – O Shonen Mais Shoujo de Todos os Tempos) dizia nas entrelinhas: “shoujo é isso, shoujo tem isso, shoujo é assim”. Eu discordo dessa abordagem generalizante e comentei a respeito. A breve discussão que se seguiu me rendeu um convite desse blog e esse post. Mas afinal, o que é shoujo? E o que é shonen? Para alguns parece complicado, mas eu poderia responder em uma frase: Shoujo e shonen, bem como seinen, josei e kodomo, são o público-alvo de um mangá. Explicando melhor: kodomo é mangá para crianças, shonen é mangá para garotos, shoujo é mangá para garotas, seinen é mangá para homens, josei é mangá para mulheres. Isso à grosso modo, porque essas faixas etárias são bem amplas e enquanto alguns shonens são feitos mais para o pré-adolescente por exemplo, outros são feitos para o adolescente ou até jovem adulto. É assim com todos os públicos-alvo. Mas isso é detalhe, prossigamos.

Dizer que um mangá é shonen é o mesmo que dizer que é um mangá para garotos. E sabendo isso podemos intuir muitas coisas sobre esse mangá, certo? Por exemplo, que um mangá shonen é um mangá com ação e lutas, protagonistas fortes ou que buscam se tornar fortes, e combates. Por isso Guerreiras Mágicas de Rayearth é um shonen de sucesso. “Mas Rayearth não é bem isso, é um tipo particular de shoujo, o mahou shoujo!”. Ah sim, me desculpe. Shonenzão mesmo é Fushigi Yugi. “Fushigi Yugi é uma história de amor, a porradaria que ele tem é só um meio usado para conduzir ao fim!”. Verdade, havia me esquecido que amor é um tema exclusivo de shoujos. E isso fica claro em shoujos clássicos como Love Hina, 100% Morango e Slam Dunk. “Esses daí têm protagonistas masculinos, e isso muda tudo!”. Ai, eu sempre me esqueço disso. Mas é isso aí, se o protagonista for masculino (como 07-Ghost, Angel Sanctuary e X) é shonen, se for feminino (como Claymore, Elfen Lied e Gunnm) é shoujo. “Mas -“ chega. Isso já deve ter sido suficiente para deixar claro que não é possível dizer que shoujo ou shonen (ou os demais públicos-alvo) tenham características exclusivas. Abundam exemplos que desmentem qualquer característica que queiramos atribuir às faixas etárias.

Sempre que alguém disser que tal característica é típica do shoujo, do shonen, ou de qualquer outro, haverão contra-exemplos na forma de mangás escritos para outro público-alvo que possuem tal característica. E quem fez tal afirmação não conseguirá explicar porque aquela característica seria exclusiva ou implícita de mangás para o público-alvo citado. Pelo menos não sem cair em generalizações temerárias sobre o próprio público: algo como “meninas preferem isso” ou “isso é coisa de menino”. Existe uma multidão de pessoas e elas estão absolutamente fora do controle dos autores e das editoras, só o que esses podem fazer é tentar adivinhar (ou intuir, ou mais profissionalmente, pesquisar) o que irá agradá-los. Então o público-alvo não define as características de um mangá? Mais ou menos. É óbvio que há sim coisas que garotos preferem e garotas não gostam tanto assim, bem como o inverso, e isso se reflete nos mangás escritos para um público ou o outro. Mas gosto é moda, do que gostam as garotas de hoje as garotas de vinte anos atrás não gostavam, e talvez as de vinte anos adiante não gostarão. Um bom exemplo: até a década de 1990 traço e personagens bonitos (especialmente garotinhas) era exclusividade de mangás para o público feminino. Um mangá que dependa apenas de modas efêmeras para atrair seu público-alvo é fetichista, vai envelhecer mal e será extremamente datado depois de alguns anos. Claro que sempre há exceções, especialmente obras famosas o suficiente para imortalizar uma determinada moda que de outra forma seria passageira.

O que realmente define, então, as características de um mangá? Essa é outra pergunta cuja resposta é muito simples: o seu gênero. Uma história de ação terá lutas. Um romance terá relacionamentos amorosos. Uma comédia terá piadas. Cada gênero tem características diferentes. E eles mudam com o tempo também, mas bem menos do que a moda, e mesmo mudando sempre existem algumas características chave que nunca desaparecerão. Tanto garotos quanto garotas podem gostar de quaisquer gêneros (embora, sim, a prevalência de alguns gêneros seja mais comum entre garotos ou entre garotas). E uma determinada história, de determinado gênero, será desenvolvida desse ou daquele jeito dependendo de seu público-alvo. Assim, um romance é sempre um romance, mas embora romances para garotos tenham muitas semelhanças com romances para garotas, há diferenças também. E para quem lida com o assunto, é sempre possível explicar porque uma determinada característica existe em determinado gênero, e sem apelar para a psicologia de botequim de quem tenta explicar porque garotos gostam disso enquanto garotas gostam daquilo. Por exemplo, não é nenhum assombro que existam crimes, vítimas, vilões e detetives em histórias de mistério, e essa constatação não tem nenhuma chance de incomodar alguém em nível pessoal, pois agora estamos definindo elementos de um tipo de história, e não detalhes íntimos dos gostos de uma pessoa.

Finalmente, se tudo isso é tão simples, por que há tanta confusão a respeito? No Japão os mangás são lançados capítulo à capítulo em almanaques, e cada almanaque é dirigido a um público-alvo específico. Vem daí então se um mangá é shoujo, shonen, josei, seinen, ou kodomo. Só depois são lançados os encadernados, volumes exclusivos de um mangá específico. Aqui no Brasil é lançado direto o encadernado (e dificilmente faria sentido ser diferente), então perdemos essa primeira e mais forte referência, a origem. E pior ainda, a maioria das pessoas não sabe que essas palavras são usadas apenas para definir público-alvo. O leitor médio de mangás por aqui não sabe que “mangá shonen” é apenas um sinônimo de “mangá para garotos”. Lida por um leigo, a frase “mangá shonen” realmente faz parecer que shonen é um gênero.

Mas será isso um problema mesmo? Independente do gênero ou público-alvo, uma pessoa não vai ler uma história se gostar dela e pronto? Do ponto de vista do leitor não há mesmo problema algum. Mas para quem trabalha com isso, seja profissionalmente como nossas editoras, seja de forma amadora, por hobby mesmo, como os blogs do meio, é uma informação errada, e toda informação errada pode desencadear imprevisíveis problemas de comunicação. Para o leitor isso é mais uma curiosidade do que qualquer outra coisa, e para um fã mais hardcore pode ser interessante saber. Mas para quem vive disso, seja alimentando o corpo em horário comercial seja alimentando o espírito durante as horas de lazer, é importante sim conhecer essas diferenças e sempre que possível não investir na confusão, mantendo sempre seu público bem informado a respeito.

12 comentários em “Shonen é romance, Shoujo é porrada! Ou: Público-alvo e gênero

  1. O termo correto para isto se traduzido corretamente é Demografia, mas gostei do jeito explicativo usado por voce… publico alvo. (é mais direto e simples)
    A metodologia usado pela Associação Japonesa de Mangás (http://www.jsscc.net/) para escolher a demografia de cada serie ainda é um misterio, mas UMA das explicações você mesmo já mostrou:

    “No Japão os mangás são lançados capítulo à capítulo em almanaques, e cada almanaque é dirigido a um público-alvo específico. Vem daí então se um mangá é shoujo, shonen, josei, seinen, ou kodomo.”

    Mas sabemos que nem sempre é assim… já que existe varias revistas especializadas em diversas demografias, assim sendo, ainda (pelo menos para mim) é um misterio como se classifica a demografia de cada mangá.
    Tambem acho interresante o fato de você apontar que é mais plausivel escolher mangás por generos do que demografias… é um sugestão excelente, cabivel para quem não conhece (ou não entende) sobre demografias. Acho que sempre devemos tentar corrigir erros como “Shounen é Ação” e “Shoujo é Romance”…. tem leitor online que faz assim:

    MANGÁ:
    X = Y
    GENEROS:
    Shounen (ação), Shoujo (romance), Seinen (drama) e Mahou (fantasia)

    Além de não ser nem um pouco explicativo ainda ajuda a ploriferar especificações erradas sobre cada serie.
    Outra coisa que voce poderia ter explicado era sobre generos que parecem com demografias como: Mahou Shoujo, Shounen AI e Shoujo AI. São generos facilmente confundido com demografias… porem acho que fazendo isto seu texto iri ficar bem maior. (hauahuahuahuahuahuahau)
    Mas em um todo a materia está excelente, direta e bem explicativa, ajuda e muito a corrigir algumas pessoas quem tem este pensamento “confuso” sobre as demografias.
    Parabens!

    Segue abaixo algumas correções que não foram dadas na materia:
    Love Hina – Shounen
    07-Ghost – Josei
    Slam Dunk – Shounen
    Angel Sanctuary – Shoujo
    Elfen Lied – Seinen
    Claymore – Shounen
    Guerreiras Mágicas de Rayearth – Shoujo
    X – Shoujo

    OBS: Um amigo meu (tradutor JP de Scan) me explicou uma fez que demografias só existem em mangás.
    Este tipo de “classificação” no Japão não é usada em animes, light novel ou visuais novels… pois as demografias dos mangás foram criadas pela Associação Japonesaa de Mangás e assim sendo, só se é usado neste tipo de publicação.

  2. Desculpa o off, mas suei frio quando bati o olho no texto e vi “kodomo”.
    Pensei que estava comentando sobre “aquele” mangá…

  3. Hahah esse “Kodomo” foi umas das piores coisas ja criadas.
    Eu acho que tem muita gente ai que não faz questão de pesquisar sobre os estilos e obras que mais tem afinidade e gosta, ai vai comentar com outras pessoas e passa uma informação errada.

  4. Quase ninguém por aqui sabe mesmo que kodomo é também um público-alvo, assim como shoujo, shonen e os outros. O artigo não estaria errado sem citá-lo, e pensei em fazer isso, mas senti que estaria incompleto sem ele, por isso aí está: kodomo =)

  5. Mas sabe, Kodomo significa apenas “criança”, se tem uns ecchis que tem o nome, é outra história XP

    • Eu sei, por isso escrevi “também é um público-alvo” (ou demografia). Significa criança, e além do significado óbvio e de outros significados específicos dependendo da aplicação, no que diz respeito ao artigo, é também uma demografia =)

  6. Post muito curioso a respeito destas diferenças entre os tipos, apesar disto ser mais visto quando tratamos dos tipos de mangá e não em relação a animes. Já tive confusões quando assisti “Death Note” na primeira vez – pensei que era gekigá, por causa do traço e da história, só soube que era shounen quando comprei a enciclopédia – e “D.N.Angel” – fiquei passada quando soube que era shoujo, depois de ter assistido ao anime – então, a confusão acontece mesmo que não queiramos.
    Claro que temos uma noção do que seja shounen ou shoujo e os demais tipos vão depender do nosso interesse: mas, aí que rola a questão abordada, pois mesmo definindo o que é shounen ou shoujo – como exemplos mais comuns – dá mesmo uma certa confusão a respeito se é mesmo ou não.
    Portanto, o melhor termo é público-alvo, já que dá pra termos uma noção de qual gênero a maioria gosta de assistir ou de ler. Existem shounens que as meninas curtem mais e há shoujos que os meninos gostam mais, só que aí vai depender do gosto pessoal da pessoa em si.

  7. Ainda existe Kodomo =O?

    • Enquanto existirem crianças, existirão mangás para crianças. O exemplo mais clássico de mangá kodomo que eu conheço é Doraemon. Acho que alguns mangás da franquia Pokémon foram lançados em antologias kodomo também. E estou chocado pois acabo de descobrir que Sgt. Frog é shonen, não kodomo. Viram só? Cuidado com demografias! O que importa mesmo é o gênero!

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